segunda-feira, 7 de junho de 2010

Empresa Natura mostra suas práticas de inclusão socioambiental. Confira.

Publicamos a matéria abaixo pelo seu caráter pedagógico. Vale a pena conhecer as experiências socioambientais da empresa Natura.

Texto de Melina Costa - O Estado de S.Paulo
Manteiga de murumuru no sabonete. Óleo de andiroba no condicionador. Os ingredientes naturais, principal apelo de muitos cosméticos, geralmente são comprados pelos fabricantes junto a grandes empresas fornecedoras, sem o contato com os produtores de insumos. Mas a Natura escolheu outro caminho: vai buscar a matéria-prima em pequenas comunidades extrativistas, formando uma intrincada cadeia de fornecimento.
A opção dá mais trabalho. Mas tem compensações. "A gente poderia fazer produtos com apelo natural e comprar nossas castanhas no Ceasa, mas decidimos ir até uma comunidade no Pará", diz Marcos Vaz, diretor de sustentabilidade da companhia. "Não é bom-mocismo. Isso adiciona valor ao nosso produto, que é vendido mais caro." O modelo se reflete nos resultados da empresa. Enquanto a margem operacional da Avon, sua principal concorrente, foi de 15,8% na América Latina em 2009, a da Natura atingiu 21,6%.
O esquema "verde" de compra de matéria-prima começou a ser desenvolvido pela Natura há dez anos, com o surgimento da linha Ekos. Hoje, 26 comunidades e 2.084 famílias possuem acordos comerciais com a empresa, e a maior parte dos óleos e essências de seus produtos é extraída de plantas colhidas por pequenas cooperativas e associações espalhadas pelo País. No início deste ano, o total de recursos revertido aos grupos fornecedores aumentou em 30%, atingindo R$ 5,5 milhões.
Para uma empresa que fatura R$ 4,2 bilhões, pode parecer um investimento irrisório. De fato, os princípios ativos são comprados em pequenas quantidades (as essências e óleos são parte minoritária na composição de muitos cosméticos) e trata-se, ainda, de insumos in natura, com pouco valor agregado. Apesar do montante, a cadeia sustentável da Natura é o principal pilar em sua estratégia para se diferenciar dos concorrentes.
Antes de lançar uma nova linha, a Natura não precisa só fazer os estudos clássicos de viabilidade industrial e de mercado, mas também desenvolver um mecanismo de fornecimento que envolve ONGs, antropólogos, consultores independentes, grupos extrativistas e, não raro, o Ministério Público. Em média, para incluir uma nova comunidade na cadeia da companhia, são necessários seis meses de articulação através da gerência de relacionamento com comunidades criada pela empresa. Mas esse prazo já foi muito maior.
O episódio envolvendo uma comunidade de Esperantinópolis, no interior do Maranhão, é emblemático. Com a intenção de substituir o pó mineral usado em suas maquiagens por farinha de babaçu, a Natura iniciou o contato com a Cooperativa dos Pequenos Produtores Agroextrativistas de Esperantinópolis (Coopaesp) em 2004, mas a empresa e a comunidade só fecharam um acordo comercial no início de 2008 e o produto só deve chegar ao mercado neste ano - inicialmente, a empresa tinha a intenção de lançá-lo em 2007.
Entraves. Um dos principais entraves foi uma questão cultural: é normal, na comunidade extrativista de babaçu, que adolescentes com idades entre 15 e 17 anos ajudem os pais com o trabalho. O problema é que, para a Natura, uma empresa com imagem associada à sustentabilidade e com ações negociadas na Bovespa, se ver envolvida em um caso de exploração infantil seria o pior dos pesadelos. Ao todo, passaram-se cerca de três anos até que a cooperativa se convencesse a poupar os adolescentes na extração da matéria-prima fornecida à empresa.
Nesse meio tempo, ocorreram reuniões de esclarecimento entre a comunidade, a Delegacia do Trabalho e até a Organização Internacional do Trabalho. "Quando é criança, a gente entende, elas são frágeis. Mas, com 15 anos, eles já se parecem com os pais", disse Manoel Rodriguez, presidente da cooperativa. "Precisou de muitos argumentos para a gente se convencer."
Desde 2001, uma Medida Provisória estabelece a chamada "repartição de benefícios por acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado". Isso significa que, quando uma empresa conseguir ganhos com a exploração de um produto obtido a partir de ativos da biodiversidade brasileira e também ganhos com o uso do conhecimento de comunidades locais e indígenas, o dinheiro precisa ser repartido com essa comunidade. A MP só não diz, exatamente, como o valor deve ser dividido, fala apenas em uma distribuição "justa e equitativa". Isso abriu outro flanco entre a Natura e cooperados do Maranhão.

A fim de destravar o processo, a Natura concordou em criar um fundo de desenvolvimento local, a ser utilizado pela comunidade em ações como a capacitação de trabalhadores e a melhoria no processo de beneficiamento do babaçu. O valor (não divulgado) já foi pago - ainda que o produto final nem tenha começado a ser vendido pela empresa.

Outro ponto que contribui para a demora nesse tipo de negociação é o modus operandi próprio das comunidades. "Os trabalhadores recebem a proposta de uma empresa e um prazo para responder. O problema é que o tempo desses grupos é diferente do tempo das empresas", diz Noemi Porro, antropóloga da Universidade Federal do Pará que acompanhou as negociações entre a Natura e o grupo extrativista do babaçu no Maranhão. "As decisões desses cooperados são colegiadas, dependem de reuniões e as distâncias entre os moradores são grandes." Como estabelece a legislação, o contato de empresas com comunidades é acompanhado por antropólogos independentes, que avaliam se houve uma negociação razoável entre as partes.

Apesar de todos os cuidados tomados, a delicada relação com pequenos grupos extrativistas não poupa a empresa de críticas. "A atitude da empresa de valorizar as comunidades é louvável, mas ficamos preocupados com a justiça dos pagamentos", diz a Procuradora Regional da República Eliana Torelly, que já acompanhou dois casos de negociação da Natura com grupos extrativistas. "Em muitos casos, o valor de negociação com os cooperados é mantido em sigilo e isso não dá parâmetros para outras comunidades". A Natura responde dizendo que não cabe à empresa divulgar o valor dos pagamentos, uma vez que o dinheiro pertence às comunidades. Também alega que, se esse tipo de informação se tornasse pública, poderia gerar uma onda migratória para as comunidades beneficiadas.

Investigações. A relação da Natura com as comunidades já rendeu quatro investigações do Ministério Público. No caso mais famoso, a OAB de Belém (PA) cobrou da empresa a repartição de benefícios com a venda de produtos à base de priprioca, breu branco e cumaru para a associação Ver as Ervas. O caso acabou em um acordo, com o efetivo pagamento aos comerciantes. Atualmente, duas investigações ainda estão em andamento e uma delas se tornou uma ação civil pública. O processo, iniciado pelo procurador José Perroni Kalil em 2007 trata da não repartição de benefícios por parte de um pesquisador que passou a explorar comercialmente o murumuru depois de ter tido contato com uma tribo de índios ashaninka, no Acre. A Natura acabou sendo envolvida indiretamente porque também usa o murumuru em seus produtos. "Não é digno de crença que a Natura, como gigante do setor, não tivesse obtido dados a partir dos resultados das pesquisas junto aos ashaninka", citou na ação.

"Já informamos à Justiça que tivemos acesso às características do murumuru pela literatura, mas não fomos retirados da ação", diz Lucilene Silva Prado, diretora jurídica da Natura. "Esse é mais um exemplo das lacunas do nosso marco legal, que dá origem a essas interpretações", acrescenta.

Burocracia. Na opinião da empresa, está exatamente aí o principal entrave para a ampliação de sua cadeia sustentável. Mais complicado que fechar contratos com as comunidades em si é atender aos pré-requisitos da Medida Provisória que regula essa relação. A principal crítica é quanto à necessidade de autorização prévia para pesquisa com um ativo tanto por parte da comunidade local - o que acaba criando expectativa sobre um produto que pode nunca chegar ao mercado - quanto por parte do governo.

Antes de acessar o conteúdo genético de plantas da diversidade brasileira, é preciso ter a aprovação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), órgão deliberativo do Governo Federal. "Precisar do aval do Estado é um entrave à pesquisa nacional", diz Lucilene. A Natura tem, hoje, 49 projetos de pesquisas parados à espera da aprovação do CGEN. Um anteprojeto de lei, que está na Casa Civil, pretende alterar as atuais regras.

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